PARANGOLÉ EM OPINIÃO 65

Nildo da Mangueira com P 08 Parangolé capa 05 Mangueira (1965), César Oiticica, Hélio Oiticica e Reinaldo Jardim na abertura da exposição Opinião 65, no MAM Rio; ao fundo, o P 03 Parangolé tenda 01 (1964). Foto Desdémone Bardin

Hélio Oiticica e integrantes da escola de samba Estação Primeira de Mangueira com Parangolés, na área externa do MAM Rio durante a abertura da exposição Opinião 65. Foto Desdémone Bardin

MÁRION STRECKER*

“Foi animadíssima a inauguração no Museu de Arte Moderna do Rio das exposições de Liuba, Krajcberg, Shiró e Opinião 65. Essa mostra de vanguarda, organizada por Ceres Franco, foi realmente a principal causa da animação reinante. (…) A nota sensacional, que encheu de mocidade os corredores do MAM, foi a exibição do que vai pela vanguarda parisiense e, mais atraente ainda, daquilo que está fazendo o pessoal novo carioca e paulista.” Assim começa a crítica assinada por Vera Pacheco Jordão para o jornal O Globo de 16 de agosto de 1965.

A mostra, organizada pelo marchand, galerista e grande colecionador de arte Jean Boghici em parceria com Ceres Franco, crítica de arte e galerista em Paris, reuniu 29 artistas brasileiros e europeus. Entre os brasileiros, Antônio Dias, Rubens Gerchman, Flávio Império, Hélio Oiticica, José Roberto Aguilar e Carlos Vergara. Entre os europeus, Juan Genovés, Roy Adzak, Alain Jacquet e Gérard Tisserand.

Foi em Opinião 65 que Hélio Oiticica expôs seus Parangolés pela primeira vez. Nas palavras de Ceres no catálogo do museu, “o Parangolé cria uma arte tridimensional de participação, inspirada na tradição do folclore musical dos subúrbios cariocas”. Mais de mil pessoas compareceram àquela abertura, segundo os jornais da época. O país estava sob ditadura militar desde o ano anterior. Havia homens de paletó e gravata, mulheres de tailleur, scarpin e penteados esculpidos com laquê, a juventude contestadora e os integrantes da escola de samba Estação Primeira de Mangueira.

A exposição ocorreu no Bloco Escola (o Bloco Expositivo só seria inaugurado em 1967), mas a apresentação dançante e musical, com mestre-sala, porta-bandeira, percussionistas e passistas da escola de samba, ocorreu do lado de fora. Embora a noite tenha merecido a cobertura de diversos órgãos de imprensa, apenas um veículo noticiou: “Parangolé impedido no MAM”. Foi o Diário Carioca, em 14 de agosto daquele ano, em texto assinado por Claudir Chaves.

Na realidade, havia não só Parangolés expostos como Nildo da Mangueira, vestindo um deles, apareceu com Hélio Oiticica e outros artistas dentro do salão naquela noite, como mostra a foto acima, feita pela francesa Desdémone Bardin. “Eu estava lá dentro. Era uma exposição tão gloriosa e absurda”, conta José Roberto Aguilar. “Eu pensava que a manifestação da Mangueira teria sido lá fora mesmo”.

“Meu querido Hélio estava de mangueirense, como passista, com os outros colegas dele, com sambistas, com gente da bateria, e eles foram proibidos de entrar”, conta Carlos Vergara, que também estava expondo em Opinião 65. “A música estava lá fora. Fomos Antonio (Dias), Gerchman, eu e mais algumas pessoas sair para acompanhar. Porque era evidentemente, ao nosso ver, uma forma de levantar o museu para uma atualidade que o museu estava se recusando. A Opinião 65 foi feita justamente pra quebrar as convenções”, diz ele.

“Comentaremos o fato de a direção do MAM não permitir a exibição da ‘arte ambiental’ no seu todo. Não foi possível a apresentação dos passistas, comandados por Hélio Oiticica, no interior do museu, por uma razão que não conseguimos entender: barulho dos pandeiros, tamborins e frigideiras. Hélio Oiticica, revoltado com a proibição, saiu juntamente com os passistas e foram exibir-se do lado de fora, isto é, no jardim, onde foram aplaudidos pelos críticos, artistas, jornalistas e parte do público que lotavam as dependências do MAM”, prossegue o texto do Diário Carioca.

“Hélio ficou mais triste do que bravo”, conta Vergara. “Boa parte do público – sobretudo a gente que busca na arte o prazer estético – sentiu-se horrivelmente chocada (ou ‘enojada’, como ouvi dizer) pela brutalidade, crueza, caráter propositadamente antiestético de quase todas as obras – o que demonstra terem aqueles artistas realizado os seus propósitos”, ponderou Vera Pacheco Jordão no texto de O Globo.

“Contribuiu para o ambiente de liberdade, ineditismo e alegria o samba dançado por figuras destacadas da escola de samba de Mangueira, que compareceram para demonstrar o funcionamento das capas e estandartes que correspondem ao apelido de Parangolé, concebidos por seu colega, o artista Hélio Oiticica, que proclama com orgulho sua qualidade de passista de Mangueira, e mostrou que é passista pra valer”, escreveu Jordão.

Parangolé é uma gíria carioca dos 1950 para expressar conversa fiada, que não leva a nada, ou uma malandragem, astúcia ou esperteza. Já Opinião 65 é um título derivado do histórico show Opinião, dirigido por Augusto Boal, que estreou alguns meses antes, em dezembro de 1964, e se tornou referência da música de protesto. Produzido pelo Teatro de Arena e por integrantes do Centro Popular de Cultura da União Nacional de Estudantes, que já tinha sido posta na ilegalidade pela ditadura, o show tinha no elenco Nara Leão (depois substituída por Maria Bethania), Zé Kéti e João do Vale, e textos de Armando Costa, Oduvaldo Vianna Filho e Paulo Ponte, com alto teor político.

Nas artes visuais, Opinião 65 se desdobrou em outras exposições, como Opinião 66 e Nova Objetividade (1967), ambas no MAM Rio, Propostas 66, em São Paulo, e Vanguarda Brasileira (1966) em Belo Horizonte. A arte brasileira nunca mais foi a mesma depois disso.

O P 2 Parangolé bandeira 1 (1964) no centro da foto, na abertura da exposição Opinião 65, na área externa do MAM Rio, em 1965. Foto Desdémone Bardin

* Com a colaboração de Elizabeth Catoia Varela e Dominique Valansi.


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